Por Enio Klein, CEO da Doxa Advisers, professor de pós-graduação na Business School SP e especialista em transformação digital
Vivemos uma realidade em que os avanços tecnológicos passaram a pautar nosso comportamento e nossa sociedade. Uma era em que a tecnologia se transforma em hábito do nosso dia a dia. Somos uma sociedade em metamorfose, dentro de um casulo tecnológico global que muda nossa cultura de forma totalmente irreversível.
Nossa convivência social, e até profissional, não existe de forma plena sem a intervenção de ferramentas tecnológicas. Negócios são realizados através de plataformas e o smartphone é como se fosse uma extensão de nossa própria capacidade cognitiva e de execução, sem o qual não faríamos parte deste mundo conectado. Desde a escola até o governo. Todo o nosso relacionamento atual se dá através de plataformas em diversos níveis de intensidade e abrangência.
Me preocupa o oportunismo com o qual as novas necessidades e especialidades profissionais são tratadas e a mobilização de jovens para carreiras emergentes com promessas nem sempre factíveis ou mesmo verdadeiras. Parte dessa preocupação vem do fato de que precisamos ter meios consistentes e acessíveis para preparar esse contingente que, inevitavelmente, enfrentará uma realidade mais complexa do que simples redes sociais. Faculdades, institutos, cursos, enfim, mobilizam-se por oferecer capacitação.
A capacitação, se estruturada de forma coerente, alinhada com os objetivos do mercado de trabalho – empresas e governo – é necessária para a construção e modernização do país sob o ponto de vista tecnológico. Precisamos de laboratórios, integração empresas-universidade, políticas públicas e tudo mais que permitirá sermos autossuficientes na geração de profissionais qualificados e prontos. Neste aspecto, estamos até caminhando, não da melhor forma nem com a intensidade que precisamos, mas estamos.
Mas capacitar não é único e talvez nem seja o principal entrave para que a tecnologia realmente agregue valor a nossa sociedade e modifique de forma positiva a nossa qualidade de vida. Enquanto outras perspectivas não forem levadas a sério em nosso país, a tecnologia ainda será coisa de especialistas em realidades vivas e distópicas. Em outras palavras: coisa para poucos. Para exemplificar, vi um post outro dia em uma rede social profissional, onde uma criança de talvez 14 anos estava em um showroom de um conhecido fabricante, usando um tablet em exposição para fazer um trabalho escolar, pois não possuía computador em casa.
Educar para o uso da tecnologia e a inclusão definitiva da internet e da tecnologia são duas dessas perspectivas sem as quais não teremos o futuro que merecemos. E não estou falando de educação de jovens e crianças. Mas de todos, inclusive idosos. De que adianta termos tecnologia abundante se as pessoas não sabem como usar? E usar não significa simplesmente saber “apertar os botões”, mas entender como usa, porque usa e, principalmente, estar a par de direitos e deveres no uso.
Saber respeitar as regras e leis e também exercer seus direitos nesse novo ambiente é tão importante quanto mexer em um smartphone ou postar em uma rede social. Estamos falando de educação, aquela que mexe com os hábitos, ensina e motiva o uso saudável, não somente capacitar. Só assim teremos pessoas que utilizarão as tecnologias de forma responsável e civilizada.
É necessário pensarmos em inclusão para que as tecnologias sejam úteis a toda a sociedade. Não adianta a mais avançada tecnologia ou inteligência artificial se somente uma camada da população tiver acesso aos seus benefícios. Estaremos (e acho que ainda estamos) promovendo mais uma vez uma distribuição de oportunidades e recursos de forma injusta. Iremos pagar um preço muito alto se continuarmos por esse caminho, como já pagamos hoje pela falta de distribuição de renda e oportunidades de educação por toda a sociedade.
Totalmente relacionada à educação, a inclusão permitirá que nossa sociedade possa usufruir das melhorias na qualidade de vida que as novas tecnologias permitem. Pessoalmente, ver o post que mencionei não me traz uma sensação boa. Pelo contrário, me lembra do desconforto que todos deveríamos sentir e como precisamos pensar em meios de incluir as pessoas para que o uso destes recursos não seja sinônimo de constrangimento.