Um novo modelo de remuneração médica, maior controle de fraudes com a criminalização dos envolvidos e transparência de dados são os pontos de destaque dos debates realizados no 3º Fórum
Encerrou, hoje, dia 06, o 3º Fórum da Saúde Suplementar, realizado pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde). O evento contou com 35 palestrantes e debatedores nacionais, quatro internacionais e mais de 700 pessoas inscritas, além da participação de mais de 1 mil pessoas que assistiram à transmissão ao vivo pela internet.
No encerramento, a presidente da FenaSaúde, Solange Beatriz Palheiro Mendes, ressaltou a necessidade urgente de criar legislação antifraude no país para punir os desvios e comportamentos oportunistas, responsabilizar os profissionais de saúde pelas atitudes fraudulentas e abusivas e identificar os agentes públicos dispostos a agir em conjunto para reduzir o problema de fraudes. Além disso, investir em centros de investigação. “Acredito que todas as entidades precisam amplificar o compartilhamento de informações entre os entes públicos e privados”, explicou.
“Estamos caminhando, os processos não se esgotam, mas é importante estar sempre aperfeiçoando os modelos. Em relação às agências reguladoras, é necessário dar publicidade e divulgação aos critérios de fiscalização e controle para que haja um aprimoramento do setor. Porém, é urgente a mudança do modelo de remuneração. O fee for service foi amplamente ressaltado neste fórum como um sistema que favorece o desperdício. Temos que agir rápido neste ponto. Outra mudança importante é a incorporação do médico de família, da segunda opinião médica e a flexibilização dos modelos de contratação de planos para as empresas”, reforçou a presidente da FenaSaúde. “A sociedade exige melhores tomadas de decisão com o olhar no beneficiário”, finalizou Solange.
SUS e Saúde Suplementar
A palestra de abertura do segundo dia de evento, contou com a participação do secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Francisco de Assis Figueiredo, que apresentou como é “O sistema nacional de saúde brasileiro”. Os grandes problemas apontados pelo secretário são, muitas vezes, os mesmos do setor de saúde suplementar, como a judicialização e as fraudes.
“A judicialização cresce em números exponenciais. Qualquer situação fora do que estava previsto tira verba de outro programa. Estimamos um extra de R$ 7 bilhões em custos de processos este ano. Estamos investigando as solicitações que chegam da Justiça e encontramos diversas fraudes, principalmente na compra de medicamentos de alto valor. Em um único esquema investigado, a fraude chegava a R$ 40 milhões. O mesmo acontece na saúde suplementar. Há necessidade de unificação do sistema para confrontar todas as informações de ações judiciais para evitar fraudes”, afirmou Figueiredo que propôs uma conversa mais aberta e frequente dos setores público e privado para a busca de soluções em conjunto. “Todos enxergam a necessidade de mudança, tanto na saúde suplementar quando no SUS. É um desafio, mas é preciso repensar o que está sendo feito. Precisamos pensar diferente para construímos soluções para a saúde em conjunto”, concluiu o secretário.
Austrália e o Brasil
No primeiro debate do dia, o tema englobou a análise das coberturas necessárias, o impacto da concorrência e as escolhas do consumidor. Rachel David, CEO da Private Healthcare Austrália (PHA), falou sobre como é o sistema de saúde suplementar na Austrália. Os desafios são bem parecidos com os brasileiros e a busca do setor é a transparência e informação para o consumidor sobre os produtos existentes.
“Verifiquei que os problemas australianos na saúde não são diferentes dos brasileiros, principalmente em relação a preços e custos de produtos e serviços de alta complexidade. Em relação aos dispositivos como órteses e próteses, temos na Austrália os chamamos piratas das próteses e estamos em busca de uma solução para esta questão. O preço é tão inflacionado que consideramos uma batalha que acontece neste setor”, explicou a CEO da PHA.
Rachel contou que há 15 anos, a Austrália tinha apenas dois produtos de saúde privada que eram para cobertura máxima e mínima. Hoje, os fundos e investimento em saúde oferecem centenas de formatos, com copartipação, produtos formatados para cada consumidor. Porém, a maior dificuldade é informar corretamente ao usuário quais são as coberturas e inclusões de cada plano.
“A falta de informação sobre as apólices, geraram uma série de ofertas que foram consideradas apólices lixo porque não serviam para nada. O consumidor não tinha como entender as terminologias dos termos usados pelos diferentes produtos e procedimentos médicos ofertados. Então, fizemos uma revisão ampla na padronização dos procedimentos, além desta classificação, resolvemos identificar os produtos como ouro, prata e bronze. O ministério passou a regulamentar o mercado e unificar. Os australianos querem comprar um produto de acordo com as suas necessidades, além de usarem os hospitais públicos e especialistas que quisessem. O formato de pagar apenas pelo que está ao alcance desonera o setor público e garante a população usar o que precisa no setor de saúde privado”, explicou a CEO da PHA.
Para Sandro Leal Alves, superintendente de Regulação da FenaSaúde, o Brasil não consegue ofertar produtos com diferentes formatos. “Na legislação brasileira, não existe a possibilidade de um plano bronze. Todos partem de coberturas nível ouro. O Rol no Brasil é uma relação máxima de procedimentos. Temos que avançar na discussão prévia do impacto dos custos. Temos que unir a ciência médica com a ciência econômica com a restrição orçamentária das empresas com os usuários. Do ponto de vista técnico, existem caminhos, como colocar a sociedade no debate, se eles estão dispostos a pagar mais por novos procedimentos. Necessidade de avançar em critérios técnicos. Aumenta cobertura, aumenta utilização e aumenta demanda. O impacto do Rol deve seguir desejo da sociedade e a capacidade de financiamento das novas coberturas”, explicou Alves.
Para Rachel, os desafios são muitos, mas a transparência de informações é necessária. “Uma grande dificuldade está na oferta realizada através dos corretores, que muitas vezes vendem algo diferente do que está na apólice ou sugerem uma mudança de planos que nem sempre são as melhores. A portabilidade e facilidade de mudar de planos foram boas medidas para o consumidor, mas impactou negativamente na oferta predatória dos corretores. Temos que garantir que os produtos sejam simples, com informações e soluções adequadas às necessidades do consumidor que devem saber o que estão comprando”, esclareceu Rachel.
Karla Santa Cruz Coelho, diretora de normas e habilitação dos produtos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), explicou que para ajudar no esclarecimento ao usuário, a agência formatou guias de planos de saúde com a explicação e comparação dos produtos existentes, além de deixar exposto para a população quais são os itens do Rol de procedimentos e eventos de saúde, que é a cobertura mínima no Brasil. “A ANS acompanha 18 mil planos de saúde registrados e 4 mil planos odontológicos que são constantemente verificados para avaliar se os valores e as ofertas estão de acordo com a legislação e com o que está sendo oferecido”, explicou a diretora.
O oncologista e especialista em auditoria médica, Stephen Stefani, afirmou que os custos aumentam com a incorporação de novos produtos, mas que nem sempre melhoram os desempenhos. “A prescrição de exames e procedimentos sem necessidades acarretam um desperdício enorme no setor. É necessário mudar o esquema de preço. A indústria está disposta a negociar em grande escala, mas só haverá realmente uma mudança se alterarmos o modelo de remuneração. O pagamento por fee for service só estimula o desperdício e a sobreutilização. Trabalhar com regulação, transparência e uma relação realista com o paciente devem ser a razão para a mudança”, afirma Stefani.
Emmanuel de Souza Lacerda, gerente-executivo da unidade de saúde e segurança na indústria, contou que para entender os impactos do custo da saúde nas empresas, participou de um grupo de estudo com 22 empresas, que contabilizam 1,5 milhão de vidas, com um diálogo direto com a ANS. O resultado foi a necessidade de melhorar a gestão do uso do plano. “No caso estudado, na maioria das empresas, o trabalhador não paga o plano. Algumas utilizam o formato de coparticipação. Porém, nos dois casos não há uma utilização adequada dos planos. As empresas estão cada vez mais apostando na gestão do uso da saúde, a busca pela segunda opinião e o gerenciamento da utilização. Não é o core business das empresas, mas a maioria vê a necessidade de gestão da utilização do uso. Além disso, tem o uso pelos inativos. Necessidade de flexibilidade para atenuar a alta sinistralidade. Parceria com as seguradoras e empresas é fundamental para a melhor gestão do uso dos planos”, contou.
Custos crescentes da saúde. O que fazer?
No último debate do 3º Fórum da Saúde Suplementar, o custo da saúde foi o tema para o encerramento das discussões. O presidente do Instituto Norte-Americano de Custos da Saúde Suplementar (HCCI), Niall Brennan, apresentou o modelo de relatórios criados pelo instituto com objetivo de dar transparência aos dados do setor. “O instituto foi criado para unificar dados para que pudéssemos entender e esclarecer o porquê do aumento dos custos que estão em constante elevação. O HCCI reúne dados de 100 milhões de americanos com informações desta população em relação à utilização de saúde. Esses dados ainda são utilizados por universidades e centros de pesquisas especializados em estudos de saúde para criar soluções e debates sobre o tema”, explicou Brennan.
Além da elaboração dos relatórios, o instituto divulga as informações para toda a população. “Sentimos a necessidade de dar transparência aos dados, principalmente para o consumidor. Construímos um site de busca para o usuário de saúde – o Guroo – com todas as informações do nosso sistema. As pessoas podem saber o custo total de cada procedimento. O consumidor detesta surpresas. Nada pior que pagar por um plano, achar que estar coberto para um procedimento e, no final, ter a surpresa que o tratamento não será realizado”, afirmou.
Em 2013, em nome do interesse público, a justiça americana determinou que as informações de valores cobrados por médico e por procedimento sejam divulgadas apesar do direito de privacidade do médico. “Isso deu mais transparência ao setor, aliado à lei do Sunshine que determina que a indústria farmacêutica e os fabricantes de equipamentos médicos apresentem todos os benefícios e presentes dados aos médicos. Após serem processados, a indústria reconheceu que eles estavam influenciando médicos a usarem determinados remédios e procedimentos”, explicou Brennan.
Leandro Fonseca da Silva, diretor-presidente substituto da ANS, reconheceu que o mercado da saúde suplementar é pouco competitivo devido ao fatores limitantes. “Para a maior eficiência, é necessário construir um modelo que tenha sentido aos participantes do mercado. Também buscar a eficiência. A saída dos operadores ineficientes do mercado é lenta. Este processo, que leva de quatro a cinco anos, causa danos aos usuários. A entidade ideal para gestão de saúde populacional deve ter perspectiva de longo prazo, lucrar para manter a população saudável, conhecer os pacientes, atendimento conveniente e capaz de fazer mudanças necessárias. Os empregadores são atores principais neste quesito”, ressaltou.
As restrições regulatórias das operadoras também foram destacadas pelo presidente da NotreDame Intermédica e vice-presidente da FenaSaúde, Irlau Machado Filho. “Além do empregador, as operadoras de planos de saúde têm o maior interesse em agilizar o tratamento para não aumentar os custos da saúde que já são elevados. Nos últimos quatro anos, o resultado operacional das operadoras foi de R$ 166 milhões, enquanto os valores de multas da ANS neste mesmo período foi de R$ 2 bilhões. Isso gera impacto no custo final para o paciente”, alerta Irlau.
Luiz Roberto Cunha, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) explicou as questões do grande custo da saúde. “A saúde tem diversas inflações: IPCA, reajustes da ANS, despesa assistencial e o VCMH. Também entra na conta os gastos com fraudes, erros e com a forma de remuneração. No caso da saúde suplementar, ainda há o aumento do custo por faixa etária que é exponencial e grave. Se não houver mudanças, o setor não será sustentável”, afirmou.
O economista, assessor especial de reformas microeconômicas do Ministério da Fazenda, João Manoel Pinho de Mello, acrescentou que o setor de saúde suplementar tem que ser visto como um sistema necessário para a economia. “A importância deste setor vai além da eficiência econômica. O poder público não atenderá as demandas da população se houver uma falência. Precisamos de um sistema sadio. Temos que enfrentar de frente os custos médicos e dilemas que são provocados na proteção de consumidores individualmente em demérito do todo”, afirmou.
Papel da agência reguladora
Ontem, no primeiro dia do fórum, uma discussão relevante sobre o poder sancionador das agências reguladoras foi colocada em pauta. O objetivo principal foi debater se a atual fiscalização atinge os objetivos definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e qual o comportamento esperado das operadoras quando a agência aplica penalidades.
O presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE), Fábio Medina Osório, falou sobre as principais diferenças entre poderes. “O poder sancionador está ligado ao cometimento de uma infração e uma resposta a essa violação. Não tem caráter cautelar, atende elementos da sanção administrativa. Já o poder da polícia tem natureza cautelar e preventiva. Ele aplica medidas restritivas de direitos”.
Marcelo Nunes, coordenador-geral de Mercados Regulados, cobrou transparência e clareza de regras durante as fiscalizações. “As agências reguladoras devem saber que caminhos podem tomar, que tipo de atuação podem fazer e tipos de comportamentos que podem adotar e evitar”.
Para a presidente da Fenasaúde, Solange Beatriz Palheiro Mendes, a regulação da saúde suplementar foi mais do que necessária, foi bem-vinda. “As empresas precisam efetivamente garantir os serviços que estão vendendo e, para isso, têm de ter consistência financeira. Se olharmos nosso mercado hoje, houve uma redução expressiva no número de operadoras. É um mercado sério, consistente, técnico e que garante suas obrigações e merece ser tratado dessa forma”.
Maria Alicia Lima, vice-presidente do UnitedHealth Group no Brasil, considera que, para uma empresa que presta serviço de saúde, ter o consumidor distante é a pior situação, porque ele é termômetro para medir a qualidade do serviço. “Ter uma agência como intermediária é uma derrota. A relação com o consumidor ficou muito mais difícil. A agência quer apenas punir com multas. Perdemos mais tempo nos defendendo das infrações do que atendendo a demanda do consumidor, que foi o motivo desta multa”.
Um contraponto apresentado durante o debate foi o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Alexandre Cantarino, superintendente de fiscalização dos serviços de geração da Aneel, apresentou a experiência de mudança de fiscalização da agência. “Identificamos que nosso processo era de inspetoria e auditoria apenas e precisávamos dar um caráter mais regulador. Estávamos focados em resolver problemas pontuais. Era necessário mudar. Começamos tornando os procedimentos mais claros, através de uma conversa franca, criando guias, colocando material acessível no site, sendo transparentes. Para isso, tivemos que internalizar a fiscalização, formar os agentes. Não basta só monitorar, é importante alertar o agente antes de uma fiscalização para que ele tenha tempo para saber da posição da agência e possa se autorregular”.