Por Enio Klein, CEO da Doxa Advisers, professor de pós-graduação na Business School SP, especialista em Transformação Digital, em vendas, experiência do cliente e ambientes colaborativos
Depois da quarentena e distanciamento social, os negócios começam a se movimentar rumo a um recomeço, após um tempo de suspensão ou modo de sobrevivência. Como voltar aos negócios e não se contentar apenas em continuar sobrevivendo? Quais os desafios que as empresas precisam enfrentar?
Nos últimos três meses, as empresas só tiveram uma preocupação: como manter os negócios andando em um momento onde o assunto principal no mundo todo foi um vírus e os seus efeitos na saúde das pessoas. Nenhuma empresa, por mais preparada ou por melhor que possa ter estruturado seu plano de continuidade de negócios em caso de desastre, estava preparada para a “freada brusca” na economia.
De um momento para o outro, movimentos que já existiam, mas estavam em passo muito lento, começaram a tomar forma de “boias de salvamento” para as empresas. O “novo normal”, como se passou a chamar o daqui para frente, depende agora da “transformação digital” e multiplicaram-se lives falando sobre esses e outros assuntos em um movimento exacerbado de “astrologia corporativa”.
Muita gente se aventurando a determinar o futuro de uma forma não estruturada. Como exercício e forma de passar o tempo durante uma crise, creio que esse movimento teve o seu papel, mas é hora de se preparar para pensar em como retomar os negócios de uma forma gradual e segura, aproveitando os benefícios evidentes da tecnologia e do uso da internet.
Mudar o verbo de automatizar o negócio para transformar o negócio com a tecnologia pode ser um caminho. Nessa jornada, dois pontos foram, nesses três meses, um bom exemplo de evolução transformacional em muitas organizações: o trabalho remoto e o comércio eletrônico. Interessante a gente ver esse movimento aparentemente simples e o grau de dificuldade que se percebeu em sua adoção, se considerarmos que assuntos e tecnologias muito mais complexas têm sido apontados como caminho da solução de todos os problemas. A pandemia nos mostrou que uma parte significativa do mercado ainda está muito longe da transformação digital propagada como solução universal, a meu ver, de forma exagerada para o momento.
A falta de destreza digital das organizações, falta de capacitação individual e infraestrutura para uso da internet tornaram evidente que temos muito que evoluir antes de que possamos realmente usufruir da transformação digital na sua plenitude. Mas já vimos um começo e um aumento no grau de atenção nesse sentido.
Temos uma oportunidade histórica para começarmos a construir uma sociedade e uma estrutura empresarial muito mais madura e forte a partir do rescaldo da crise. O início deve ser pela construção dos alicerces para uma evolução rápida e com uma transformação dramática nos modelos de negócio. Temos, porém, desafios de curtíssimo prazo para que as empresas passem do modo de sobrevivência para um regime de evolução. É nesse contexto que nós, empresas de consultoria, precisamos nos posicionar para apoiar as organizações nesse momento.
Para voltar à operação, a primeira preocupação das empresas é com a saúde, bem-estar e segurança dos funcionários. O trabalho remoto se mostrou interessante e aplicável para muitas empresas que nunca haviam pensado nesse assunto. Mas nem todas as organizações possuem condições de tornar remoto o trabalho de todos seus colaboradores.
Como tornar o trabalho remoto uma rotina e não uma emergência? Como se aproveitar dos benefícios mútuos desta forma de trabalho sem estressar os funcionários, ampliando a capacidade do trabalho em equipes com produtividade? Por outro lado, aqueles funcionários que precisam voltar ao trabalho presencial devem ter a garantia de que os protocolos de saúde e segurança serão tratados e observados. Como gerenciar o cumprimento? Como verificar a conformidade? Esses desafios precisam ser transpostos no primeiro momento desse retorno a operação.
Outro aspecto importante é que as empresas precisam vender e entregar seus produtos e serviços. Com o isolamento, houve uma necessidade imediata de mudar a forma de se relacionar com clientes. Empresas que não tinham outros canais, além de um estabelecimento físico ou visitas presenciais de vendedores ou representantes, começaram a desenvolver outros métodos de contato.
O desafio nesse momento é estabilizar esses canais e desenvolve-los para que se tornem perenes, eficazes e rentáveis. Igualmente importante é avaliar a carteira de clientes para entende-los e diferencia-los. Em momentos de dificuldades, os melhores clientes merecem mais atenção e cuidado. É importante viabilizar e manter os negócios com eles. Mas isso precisa de uma análise criteriosa que nem todas as empresas têm o hábito ou processo estabelecido para realizar.
Uma das grandes dificuldades que se observou, já no início da pandemia, foi a desestabilização da cadeia de valor das organizações. Clientes pararam de comprar, fornecedores pararam de produzir e o cenário muitas vezes foi de paralisia. Soluções emergenciais apareceram. Mas elas não são sustentáveis. Como viabilizar a médio prazo um combalido ecossistema para que as empresas possam entregar seus produtos e serviços quando a dificuldade de produzir e entregar – além das financeiras – passou a ser generalizada?
É importante rever a cadeia de suprimentos e produção no sentido de reavalia-la à luz das novas circunstâncias para que seja possível equacionar um modelo que equilibre eficiência, custos e viabilidade para todos os componentes da cadeia de valor. Já está na hora de se reconhecer que o ecossistema tem mais valor agregado do que cada componente individual. Mas isso requer uma quebra de paradigma e uma mudança comportamental sem precedentes.
Finalmente, nenhuma organização sobrevive sem um caixa protegido. O equilíbrio financeiro é caminho crítico para que as empresas possam ter recursos para investir não só na sua sobrevivência no curto prazo, mas, principalmente, garantir a retomada de sua evolução e crescimento no médio e longo prazos. Orçamentos estáticos e baseados no retrovisor não mais resolvem esse problema. Está na hora dos executivos avaliarem ou reavaliarem os modelos de gestão contínua de seus orçamentos (rolling forecast).
Estes quatros aspectos estão ligados à reconstrução e a preparação das fundações para o novo futuro. A arquitetura empresarial, ou arquitetura corporativa, é a prática de aplicar um método compreensivo e rigoroso, para descrever: uma estrutura para um processo organizacional, presente ou futuro. Estamos todos na hora de reconstruir e replanejar o futuro. Estamos em tempos de novos métodos, novas arquiteturas e novas tecnologias. O momento de ação é agora. O que você está esperando?