O debate que não houve

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Mao Tsé Tung pontuou que, “se o capitalismo não consegue resolver as suas contradições, deve perecer”. Parece inacreditável, mas esse conceito arbitrário e arrogante ainda persiste alhures e aqui em terras brasileiras. Um exemplo paradigmático desse estado mental é a falta de debates equilibrados sobre o que foi alcunhado de “plano de saúde acessível”. Decorridos 29 anos da Constituição em vigor, e 19 anos da Lei de Planos e Seguros de Saúde, a dura realidade dos fatos se abateu sobre os fundamentos que prevaleceram àquelas épocas. Os sistemas das duas cartas legais vêm se mostrando progressivamente disfuncionais, ao ponto de levar à exclusão de milhões de brasileiros das coberturas de saúde. Seja no setor público, pelas filas, seja no privado, pelos custos. Em decorrência, várias discussões que vieram surgindo ao longo dos anos desaguaram em proposta concreta para buscar submeter a atual estrutura normativa do esquema privado ao escrutínio da realidade.

O plano acessível é ou foi um projeto, uma proposta, uma arquitetura aberta para que a sociedade possa deliberar sobre o destino de um serviço de tamanha essencialidade, como os planos privados de saúde. Mas está ocorrendo uma barreira protecionista dos que se consideram guardiões de supostos paradigmas da Constituição cidadã, e muito menos do que dela, dos paradigmas de uma lei ordinária originada de Medida Provisória que nem sequer foi votada. Essa condenação antecipada vem obstaculizando o progresso de soluções que deem conta da proteção de muitos milhões de brasileiros, ou de pelo menos proteger a sua liberdade de escolha da proteção que desejam: pública ou privada, ou ambas, como quis a “cidadã”.

Pois a desconstrução mais insidiosa do que é uma proposta para debate democrático parte de excêntrica tese de que o plano acessível viria “conceitualmente” a confrontar a vontade da medida provisória (MP), travestida em lei, para retirar direitos duramente conquistados pelo povo, que nem sequer tomou conhecimento da famigerada MP. E, avançando mais, alegam que, “conceitualmente”, a livre escolha, pelos cidadãos, de um plano de saúde diferente do arquétipo da MP colocaria em risco o próprio Sistema Único de Saúde, arruinando os seus atributos de universalidade e equanimidade. Agora parece ficar clara tanta fúria oposicionista no debate.

A questão principal que alguns querem esconder, ou confundir, é que o plano acessível, além de alternativo ao atual, e de contratação voluntária, responderá a muitas providências modelares que vão contra os únicos interesses de um circuito perverso de valorização da prestação de serviços médicos, eles mesmos os maiores causadores dos estratosféricos custos da medicina que expulsam milhões de cidadãos.

Então, diga o consumidor brasileiro, para além de cortinas ideológicas, se está contra os atributos do plano de saúde acessível, de escolha voluntária: médico generalista obrigatório, para orientar adequadamente o paciente; direcionamento ativo do paciente para uma rede de médicos especialistas que resolvam melhor o seu tratamento; direcionamento, pelo especialista, para laboratório e hospital de melhor resolubilidade; inclusão de coparticipação financeira dos beneficiários em determinados procedimentos, para que ele questione as indicações abusivas de profissionais de saúde; congelamento no contrato de inovações tecnológicas propostas pela indústria, para evitar que tenha que pagar por desperdícios. Isso, a um custo menor do que tem os planos atuais, amarrados a uma espiral inflacionária sem fim. A escolha pela continuidade do debate é sua, consumidor. Chega de gente que quer falar por você. Já foi o tempo em que a cidadania foi comandada por intérpretes dos cidadãos.

MARCIO SERÔA DE ARAUJO CORIOLANO é presidente da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg)

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