O corretor não é o vilão

Google+ Pinterest LinkedIn Tumblr +

No dia 10 de junho de 2019, a SUSEP publicou a Circular Nº 587, que trata regras e critérios para comercialização do seguro Fiança Locatícia. Em seu artigo 9º define que “A seguradora e o corretor de seguros, se houver, deverão informar o percentual e o valor da comissão de corretagem aplicados à apólice, sempre que estes forem solicitados pelo garantido ou pelo segurado.”,  não satisfeito o regulador insiste no assunto e repete no inciso V do artigo 12º “O segurado ou o garantido poderão solicitar, a qualquer tempo, que a seguradora ou o corretor de seguros, se houver, informe o percentual e o valor da comissão de corretagem aplicada à apólice”, criando uma certa polêmica no mercado.

Recentemente, em 22 de março deste ano, foi empossada na SUSEP, a Sra. Solange Vieira. A economista tem um currículo fantástico e boas intenções para com o nosso mercado. No entanto, em seu discurso de posse ela comparou a penetração (prêmio x PIB) do mercado segurador americano com o brasileiro. Um erro comum que muita gente influente em nosso mercado comete. Uma vez que “compara banana com laranja”, afinal não somam os seguros públicos do INSS, bem como do SAT – seguro de acidentes de trabalho – que naquele país é privado (workers compensation). Mas de fato, temos muito que crescer sim. Nos cabe mostrar a nossa nova superintendente que nem tudo feito nos últimos 20 anos (diversos governos) está errado e precisa de correção, afinal saímos de um volume de prêmios de R$ 7,9 Bilhões em 2000 para R$ 1,3 Trilhões em 2018.

A idéia de obrigar as seguradoras a mostrar na apólice de seguros a comissão do corretor não é nova. É uma idéia que veio à tona entre 2003 e 2007 no governo petista. E desistiram num raro momento em que aquela gestão ouviu o mercado. Surpreende agora o governo Bolsonaro requentar uma idéia petista.  Existem duas hipóteses possíveis para entender quais argumentos sustentam essa idéia: reduzir as comissões buscando maior penetração de prêmios ou simplesmente trazer transparência ao consumidor. Vamos então dissecar essas hipóteses.

Sobre penetração poderiam imaginar os reguladores que os corretores, ao ganhar menos comissões, se esforçariam para vender mais e consequentemente aumentaríamos a produção. Pensar assim seria um erro grosseiro. Ocorre que os corretores já trabalham com margens apertadas de comissão, uma vez que operam em um mercado de concorrência perfeita com aproximadamente 50 mil competidores. A comissão de automóvel, por exemplo, chegaria até 25% mas a média efetivada é de 15%. A produção de seguros de automóveis não cresceu tanto e ainda permitiu a atuação de cooperativas e associações por obra exclusiva das próprias seguradoras, que com elevada concentração, apenas 26 seguradoras concorrem onde apenas 8 delas possuem 81% do mercado, recusam (o que lhes é legítimo) muitos clientes em determinadas regiões de maior sinistralidade.  Em fiança locatícia o oligopólio é bem maior, temos supostamente 19 companhias competindo, onde na verdade apenas 5 realmente atuam, das quais 1 possui 85% do prêmio arrecadado. Vale lembrar que as seguradoras são organizações privadas e tem legitimamente o direito de absorver ou não os riscos analisados. Em fiança locatícia, por exemplo, a rejeição de tomadores está elevadíssima em função de 40% da população economicamente ativa estar endividada e com anotações no SERASA. Caberia aumentar a competição – que é fomentada pelos corretores – para que este mercado se desenvolva. Isso tudo nada tem a ver com a comissão do corretor, que em fianças ficam na média de 15% embora pudessem atingir 35%.

A concorrência claramente beneficia o consumidor e aumenta a eficiência. Temos no mercado 50 mil corretores atuando,  não mais que 30 seguradores considerando um ramo qualquer de seguro, 16 resseguradores e 25 brokers de resseguros.  Portanto, acredito que o regulador deveria gastar sua energia nos segmentos com menor competição. Pois a comissão do corretor de seguros não incomoda o cliente final que sempre faz leilão e tem facilidade em encontrar competidores nos corretores, que impede a estes últimos elevar suas margens. Mas esse mesmo consumidor nem sempre consegue encontrar tantas opções de seguradoras competindo e aceitando seus riscos.

Ainda combatendo o argumento de penetração de mercado, é importante ressaltar que na prática os corretores não impedem às seguradoras de venderem diretamente. Vis-à-vis os seguros de VGBL que tem baixo comissionamento, pouca atuação do corretor e elevado volume de prêmios. Mas será que eliminando ou reduzindo a participação do corretor – ao buscar-se reduzir a sua arrecadação – seria solução? Lembro ao órgão regulador que a maioria dos ramos campeões de reclamação dos consumidores não tem a participação (ou ela é tímida) do corretor, por exemplo, o seguro de garantia estendida, seguros de perda ou roubo de cartões de crédito, prestamista vinculado a empréstimos bancários, etc.

Já o outro argumento, até bem mais razoável, estaria na transparência. Mas se a idéia é trazer transparência ao consumidor, deveriam atacar todos os players do mercado. Qual seria a comissão de resseguros cedidos daquela apólice? Afinal muitas seguradoras chegam a viver de comissões de resseguros em diversas carteiras. Qual a comissão do broker nos resseguros facultativos? Ou ainda, como é formado o preço do seguro (sinistralidade, DA, etc.)? Pois é exatamente nessas áreas que temos menor concorrência! Além disso, imaginem uma grande corretora multinacional que pode até apresentar zero de comissão na apólice, embora esteja recebendo – em seu grupo econômico – 35% de comissão de resseguros, fazendo uma concorrência desleal com o corretor local.  Eles vão alegar que há uma “chinese wall” e contabilidade separada, mas sabemos que não funciona bem assim na prática.

Um corretor de seguros, como qualquer empresa, busca maximizar o seu faturamento. Pois dele pagam as despesas do escritório, o treinamento, investimento em sistemas e até a sua remuneração. As seguradoras vêm nas últimas décadas transferindo muitas de suas tarefas ao corretor e assim transferindo despesas. O que exigiria um aumento das comissões, no entanto, esta remuneração vem caindo ao longo das décadas. Some-se a isso que de cada 3 ou 5 visitas e tentativas de vendas, o corretor consegue fechar 1. Dessa venda precisará pagar toda a despesa e esforço com as outras vendas perdidas. De alguns clientes fidelizados, após anos de bom atendimento, o corretor consegue ampliar a comissão, enquanto que para conquistar clientes novos precisa trabalhar com comissionamento baixo. A concorrência natural já limita o abuso e protege o consumidor. É um mercado altamente competitivo. Obrigar a mostrar a comissão tende a enfraquecer ainda mais esse segmento já fragilizado. Enquanto o foco da regulação deveria estar nos ambientes de concentração com baixa competição, onde o consumidor não tem proteção. O vilão não está na comissão de seguros! Querem reduzir os custos ao consumidor final? Atuem no resseguro e facilitem ou estimulem a entrada de novas companhias aumentando a concorrência de seguradoras e resseguradoras.

A comissão é um direito do corretor de seguros. O corretor de seguros tem direito à comissão. Lembrem-se as seguradoras que este é um canal de distribuição altamente motivado e barato. Pois só ganha se vender, não tem encargos e nem direitos trabalhistas, não recebe planos de saúde e nem outros benefícios. O corretor paga tudo isso de sua comissão, para si e para seus funcionários. A transparência é bem-vinda, a modernização da SUSEP também é bem-vinda. Mas essas medidas precisam ser pensadas com cuidado para não destruir um mercado estabelecido e que gera muitos empregos. Prejudicar o corretor será um tiro no pé das seguradoras e da SUSEP.  Não contribui para o desenvolvimento, para o aumento das vendas, para a redução das reclamações e nem para o consumidor! No final do dia, quem de fato atende o segurado, tira suas dúvidas, mostra as opções, explica o funcionamento e a abrangência das coberturas, e ainda estimula a competição apresentando várias seguradoras é exatamente o corretor.

À SUSEP digo que o corretor não é o vilão do mercado. E o vilão não está na comissão do corretor. Transparência total sim, mas transparência direcionada não!

Prof Gustavo Cunha Mello é economista, com MBA em Gestão de Riscos, Mestrado em Engenharia. Professor em diversas universidades, atua há 30 anos no mercado de seguros, é Sócio da Correcta Corretora de Seguros e consultor da Kuantta Consultoria.

Share.

About Author

Leave A Reply