Por Marjorye Hoejenbos, Diretora de Resseguros da MDS Brasil *
A guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada no dia 24 de fevereiro, poderá se transformar em um dos maiores prejuízos no mercado internacional de resseguros, superando outras tragédias marcantes, como os ataques terroristas nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001.
Estimativas iniciais da Verisk Analytics – tradicional empresa norte-americana de análise de dados e avaliação de risco em setores como seguros, recursos naturais, serviços financeiros e governo – apontam para uma perda final entre US$ 13 e US$ 23 bilhões, projeção que depende da duração do conflito.
De acordo com informações da Swiss Reinsurance Company, os ataques de 11 de setembro representaram o terceiro maior prejuízo no mercado de seguros e resseguros, ultrapassando US$ 23 bilhões. No topo do ranking está o furacão Katrina, que, em 2005, gerou um impacto superior a US$ 72 bilhões às empresas do mercado segurador/ressegurador.
Tanto no 11 de setembro quanto nos atuais conflitos da Europa, nos encontramos em uma situação delicada: fazer a gestão dos riscos que não existiam no momento do fechamento dos contratos securitários.
A guerra e o impacto no seguro: oferta e demanda
Durante a Brokerslink Conference 2022, que aconteceu em Portugal, o conflito entre Rússia e Ucrânia foi discutido. Ao longo do evento, o jornalista e especialista em Assuntos Externos e Diplomacia internacional, Tim Marshall, liderou o painel “The power of geography in global politics” e destacou esse e outros momentos da história em que conjunturas geopolíticas e situações de guerra tiveram efeitos devastadores sobre a economia global e a sociedade civil.
Um efeito imediato é percebido enquanto a guerra acontece: o crescimento na procura pelo seguro devido a percepção mais elevada quanto à riscos e aumento de custos de capital envolvidos em transações. Similarmente, mas até então em menores proporções, a pandemia do Covid-19 gerou maior demanda na contratação de seguros de vida e saúde, por exemplo.
Ressalta-se que o desafio do setor não é a exposição direta no conflito militar, já que este cenário tipicamente consta nas apólices como exclusão padrão das coberturas contratadas (salvo contratações especificas, como a Aviation War Coverage, que abrange esta situação em apólices do ramo da aviação), mas as consequências indiretas que exacerbam as estimativas de prejuízos relacionados ao cenário internacional e o impacto na economia, comércio internacional e bem-estar social.
O agronegócio, logística e a segurança cibernética se destacam como áreas altamente afetadas. No caso do agronegócio, temos a possível falta de suprimentos e pressão por aumento de produção por países fornecedores de commodities não envolvidos no conflito, considerando ainda o impacto previsto do terceiro ano consecutivo do La Nina – efeito climático, que acomete diretamente a produção brasileira de soja e, que potencializa a complexidade das renovações dos contratos automáticos das Seguradoras e disponibilidade de capacidade de resseguro para cobertura das Apólices deste ramo.
Em relação ao seguro de riscos cibernéticos, a maior dificuldade é demonstrar aos clientes com clareza a conexão da diminuição de apetite para este tipo de risco e, a revisão dos parâmetros de aceitação destas apólices devido às ameaças inerentes à guerra.
Inevitavelmente, os preços das coberturas securitárias se elevam e, no caso da logística internacional, cabe aos gestores de risco das empresas, que compõem o Supply Chain e resseguradores trabalharem em parceria, objetivando criar planos de contenção de ameaças e novas alternativas em termos de fornecimento, até mesmo possíveis ajuste de rotas e revisão de custos de frete, tornando o processo logístico economicamente funcional e viável.
A conjuntura internacional e os resquícios da pandemia adicionam insegurança crescente à população mundial, elevando a inflação e causando instabilidade no mercado financeiro, o que impacta os investimentos dos resseguradores globalmente.
Por caber ao resseguro a função primordial de manter solvente às Seguradoras que apoiam, cumprir seus compromissos financeiros junto ao cliente final e amparar a reconstrução após grandes perdas, as companhias do setor precisam do respaldo de profissionais qualificados, capazes de desenvolver estratégias coerentes e realistas para lidar com a incerteza dos próximos anos.