Por que é preciso cautela para liberar a exclusão do risco de pandemia

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Bárbara Bassani alerta que nos seguros de danos, a indenização para o risco excluído de pandemia poderia aumentar muito a sinistralidade e prejudicar o mutualismo.

Desde que pandemia de coronavírus foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), uma discussão se instalou no mercado de seguros em relação ao pagamento de indenização para este risco, que, normalmente, é excluído na maioria das apólices. Atendendo demanda da sociedade, muitas seguradoras vieram a público informar que iriam realizar o pagamento de indenização no seguro de vida para os casos de morte provocadas pela covid-19, ignorando a exclusão.

Apesar do gesto louvável e solidário dessas seguradoras, a advogada Bárbara Bassani, sócia de TozziniFreire Advogados, alerta que as liberações de exclusões devem ser concedidas e analisadas com muita cautela.  Isso porque, segundo ela, poderão abrir precedentes para discussões de liberação de exclusões em outros ramos de seguros, como nos seguros de danos. “Seria muito difícil explicar ao Poder Judiciário por que em um determinado ramo houve liberação e em outro não, considerando que os conceitos que pautam o seguro são sempre os mesmos – riscos predeterminados na apólice”, diz.

 

No caso, por exemplo, da cobertura para interrupção de negócios (lucros cessantes) em apólices de property, via de regra, a garantia é apenas para a interrupção causada por danos materiais à propriedade segurada. Porém, segundo a advogada, já se tem notícia de discussões em outros países com o objetivo de alargar o conceito da apólice. “A alegação é que em danos materiais não está claro que o fechamento de estabelecimentos por covid-19 não deva ser coberto pelo seguro”, diz.

Outro exemplo é o seguro prestamista com cobertura para perda do emprego, em que há exclusão para pandemias. “Com o crescimento do desemprego, o índice de inadimplência aumentará consideravelmente e a sinistralidade também. Seria bastante complicado para as seguradoras garantirem todo e qualquer inadimplemento, liberando a exclusão expressa para pandemias, o que poderia impactar em sua solvabilidade”, diz.

Impactos da pandemia no seguro

Segundo Bárbara Bassani, a covid-19 pode ensejar demandas também no D&O, envolvendo a responsabilidade de diretores e administradores. Ela destaca que a pandemia gerou uma mudança de hábitos nas empresas, desafiando, diariamente, os diretores e administradores na tomada de decisões preventivas em relação à saúde de seus funcionários e, também, mitigadoras de prejuízos financeiros.

No âmbito de companhias abertas, por exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou ofício em que orienta as empresas a reportarem riscos nas demonstrações financeiras relacionados ao impacto da covid-19 em seus negócios. A advogada explica que se as decisões forem tomadas de forma equivocada ou houver informações relevantes que deveriam ser divulgadas e não foram, poderá haver responsabilização dos administradores, aumentando as demandas no seguro D&O.

“Diretores de sociedades anônimas de capital fechado e sociedades limitadas (de grande ou médio porte), igualmente, estão sujeitos a maiores questionamentos em suas decisões seja por parte de seus próprios funcionários, como de seus acionistas e terceiros”, diz.

Em relação ao cancelamento de eventos, Bárbara Bassani afirma que não existe consenso para todo e qualquer caso. A cobertura depende muito dos termos e condições da apólice contratada. Apólices para eventos costumam garantir, por exemplo, gastos com publicidade, locação de espaço, contratação de prestadores e cancelamentos. “Porém, nem sempre o cancelamento coberto é aquele causado por qualquer causa. Muitas excluem cancelamentos decretados por atos de autoridade pública. Sendo assim, a depender da razão do cancelamento – se originado de algum normativo, por exemplo – e da data, poderá inexistir cobertura para eventos cancelados pela covid-19”, diz.

No caso do seguro de Responsabilidade Civil Profissional, os médicos e demais profissionais de saúde são os que estão em evidência e mais expostos no momento. “Erros de diagnóstico e negligência, certamente, serão a bola da vez”, diz a advogada. Daí porque ela considera que é grande a possibilidade de muitos profissionais médicos serem acionados na Justiça por erro no diagnóstico da covid-19 ou negligência, nos casos de morte do paciente. Por outro lado, historicamente, o seguro de responsabilidade civil profissional para profissionais da saúde é considerado um produto caro e sua contratação não é tão fácil no mercado. Por isso, são poucos os profissionais que contam com esse seguro.

Pandemia é caso fortuito e força maior?

No seguro garantia (performance), a exclusão de casos fortuitos e força maior abrange pandemia? Bárbara Bassani explica que no seguro garantia o clausulado padrão, previsto na Circular Susep nº 477/2013, dispõe que o segurado perderá o direito à indenização na ocorrência de casos fortuitos ou de força maior, nos termos do Código Civil Brasileiro. Esta legislação prevê que caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis de serem evitados ou impedidos, hipóteses em que o devedor não responde pelos prejuízos causados. Dentre os exemplos estão as queimadas ou movimentos populares.

A questão é que, segundo a advogada, a covid-19 vem sendo tratada pelos civilistas como uma hipótese de força maior. “Porém, a hipótese de perda do direito à indenização securitária pela ocorrência de força maior não é tão simples assim”, diz. Segundo ela, é preciso entender se o contrato garantido pela apólice foi descumprido por consequência direta ou indireta do evento de força maior, qual a data do descumprimento e se o contrato poderia ser aproveitado e cumprido de algum modo. “Deve se ter sempre em mente o requisito da inevitabilidade”, diz.

Solvência em risco

Um dos argumentos contra a liberação da exclusão da pandemia nos contratos de seguro é o risco que a iniciativa pode trazer para a solvência das seguradoras. Mas, segundo Bárbara Bassani, a liberação da exclusão de pandemia não é capaz de provocar a quebra de uma seguradora. Ela explica que em comparação a outras causas, o índice de mortalidade da covid-19 é baixo, atualmente, e poucos são os casos de vidas seguradas.

Na visão da advogada, a questão da liberação na cobertura de morte impacta mais no perigo em desconsiderar conceitos básicos securitários e no reflexo que isso pode causar em outros ramos securitários (especialmente, de danos), do que na solvência das seguradoras que atuam apenas com vida. A judicialização tende a aumentar, pois muitos segurados vão querer discutir a liberação de exclusões ou a interpretação mais ampla do clausulado, também, em ramos de danos para cobrir prejuízos materiais consequentes da crise originada pela pandemia. “É por essas e por todas as discussões que ainda estão por vir que liberações de exclusões devem ser avaliadas, cuidadosamente, pelas seguradoras a fim de evitar um verdadeiro colapso”, diz.

Fonte: APTS |Texto: Márcia Alves

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