Para a advogada que entregou estudo ao Senado Federal indicando os pontos críticos do projeto, relator da CCJ errou ao não considerar críticas do mercado de seguros em seu parecer.
A rápida tramitação no Senado Federal do Projeto de Lei originário da Câmara (PLC) nº 29/2017, o PL que trata da chamada Lei de Seguros, e o relatório do senador Rodrigo Pacheco, com voto favorável à aprovação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), emitido no final de agosto, causaram surpresa à advogada Débora Schalch, ex-presidente da Comissão de Direito Securitário da OAB-SP. Ela se diz, ainda, preocupada com a inércia de parte do mercado segurador, que, a seu ver, parece não atentar para as graves consequências da aprovação do projeto na forma em que se encontra e sem um estudo de impacto econômico sobre o setor.
No ano passado, Débora Schalch levou pessoalmente ao Senado Federal um estudo técnico produzido pela Comissão de Direito Securitário da OAB-SP, que sugeria a análise cautelosa de pontos críticos do projeto. De acordo com o estudo, alguns dispositivos do PLC 29/2017 poderão gerar impactos bastante negativos ao mercado de seguros, como, por exemplo, a falta de distinção entre pequenos e grandes segurados; a inclusão do resseguro na Lei de Seguros; a mudança na forma de contagem do prazo prescricional; e a obrigatoriedade do uso da legislação brasileira em arbitragens.
No entanto, na avaliação da advogada, o relator do projeto na CCJ parece ter ignorado a opinião de parte significativa do mercado, endossada pelo referido estudo. “Além do estudo da OAB-SP, questões graves e preocupantes do PL de Lei de Seguros também foram apontadas por grandes especialistas em arbitragem e pelos setores de seguros e resseguros. Mas, a julgar pelo parecer positivo do relator da matéria na CCJ, parece que todas as críticas foram jogadas para debaixo do tapete”, diz.
Cabe à CCJ, na avaliação de Débora Schalch, buscar a opinião do mercado, promovendo debates a respeito, antes de aprovar a matéria tal como sugerido no referido parecer. “Caso contrário, prevalecerá exclusivamente a opinião dos defensores do projeto, sem que aspectos relevantes sejam considerados”, diz.
Retrocesso
A advogada chama a atenção para o caráter intervencionista do projeto na atividade seguradora. Pouco mais de um mês depois da aprovação pelo próprio Senado Federal, da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (L. 13874 de 20/09/2019), ela considera incompreensível o relatório favorável ao PLC 29/2017, que em diversas passagens destoa e contraria a tão esperada liberdade para contratar, principalmente em se tratando de seguros de grandes riscos.
Um exemplo é o dispositivo que estabelece o prazo de 30 dias para a regulação de sinistros, prevendo a aplicação de multa às seguradoras que descumprirem o prazo e a responsabilização do regulador. “Como as seguradoras poderão regular sinistros de grandes obras de infraestrutura ou até mesmo de incêndios de grandes proporções em 30 dias? Tamanha pressão poderá levar à negativa prematura de sinistros por parte das seguradoras ou ao pagamento de indenizações indevidas, concluindo-se os respectivos processos de regulação sem a segurança necessária, em prejuízo da própria coletividade segurada”, diz.
Embora o relatório do senador Rodrigo Pacheco argumente que o PL de Lei de Seguros poderá alavancar o mercado de seguros, Débora Schalch enxerga exatamente o contrário. Ela observa que a proposta trata como hipossuficientes todos os segurados, não distinguindo os pequenos segurados, aqueles que têm apólices, por exemplo, de automóvel, dos grandes segurados, que possuem seguros vultosos para grandes obras. “Essa falta de distinção poderá causar a elevação do preço do seguro, prejudicando os segurados que são de fato hipossuficientes. Portanto, em vez de alavancar o setor, o projeto pode gerar retrocesso”, afirma.
A inclusão do resseguro no Projeto de Lei de Seguros também é vista pela advogada como um equívoco. Segundo ela, o resseguro não pode ser alvo de uma lei de seguro, porque trata-se de uma relação distinta, uma contratação com termos, costume e condições diversas e que envolve players internacionais. O mesmo raciocínio, a seu ver, também se aplica à arbitragem, para a qual a proposta obriga o uso da legislação brasileira em detrimento da internacional, contrariando a Lei de Arbitragem.
“A essência da arbitragem é justamente a liberdade de resolver o conflito em qualquer jurisdição do mundo. Ao obrigar o uso da legislação brasileira, o PL mata a arbitragem, negando vigência a mais uma importante norma nacional que, assim como a Lei de Liberdade Econômica, tem por escopo, entre outras questões, garantir segurança jurídica aos contratantes e atrair o investimento no país”, diz.
Débora Schalch considera, ainda, que o PL de Lei de Seguros também poderá causar, na prática, a extinção da prescrição em seguros ao propor a contagem de prazo a partir da negativa da seguradora. “Se o segurado demorar, por exemplo, dez anos para avisar o sinistro, a seguradora será obrigada a manter reservas financeiras até que o processo seja concluído. Essa proposta acaba com o instituto da prescrição em seguros, que foi criado justamente para que esse direito seja exercido em um tempo razoável. Se não houver definição do prazo de prescrição, poderá haver insegurança jurídica”, diz.