Marcio Serôa de Araujo Coriolano*
Nos últimos 30 anos, o Brasil enfrentou – e venceu – desafios imensos. Nos anos 1990 derrotou a hiperinflação e, nas décadas seguintes, superou os efeitos de grandes terremotos financeiros internacionais. Agora, recém-saído da pior recessão desde os anos 1930 e com o início do novo governo, o País tem pela frente mais um grande desafio: avançar nas reformas necessárias ao inadiável ajuste fiscal – com destaque para a reforma da Previdência, – sem abrir mão de uma agenda de retomada do crescimento econômico com justiça social.
A infraestrutura ocupa lugar central nessa agenda. Investimentos no setor significam melhoria da qualidade de vida dos brasileiros em áreas fundamentais como saneamento e mobilidade urbana, geração de empregos e a ampliação da presença competitiva do Brasil na economia global, com mais e melhores ferrovias, rodovias, aeroportos, portos e bons serviços de energia elétrica, telefonia e outros. Em um momento no qual o País decidiu abandonar modelos que derrubaram o emprego e a renda média, viabilizar investimentos em infraestrutura é algo estratégico para a reconstrução, modernização e reconstrução da vida nacional.
Nesse cenário, a Confederação das Seguradoras (CNseg) considera que a inserção do seguro garantia obrigatório para grandes obras públicas é tema prioritário. Trata-se de uma modalidade de seguro que reforça o arcabouço para a estruturação de financiamento e garante o cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado, eliminando a necessidade de recorrer a garantias como o patrimônio das empresas (o que frequentemente põe em risco sua sobrevivência) ou fianças bancárias (que já se demonstraram ineficazes para as amortizações de longo prazo características dos empreendimentos de infraestrutura). O objetivo é garantir que a obra seguirá no ritmo esperado, e que a construtora contratada será rapidamente substituída por outra se abandonar os trabalhos.
O seguro garantia é instrumento crucial para melhorar a qualidade, a transparência e a execução de projetos governamentais, em parceria com a iniciativa privada, e deixar para trás um modelo que resultou na paralisação de milhares de empreendimentos. Estudos recentes dão conta de que existiam em 2016 mais de 2.500 obras paralisadas no Brasil, sendo pouco mais de 500 delas de infraestrutura. Ainda que muitas tenham sido retomadas, esses são números preocupantes. Obras paradas significam população privada de serviços, e dinheiro do contribuinte escorrendo pelo ralo – além de configurar sinal negativo para potenciais investidores. De acordo com o Ministério do Planejamento, a maior parte das paralisações acontece por problemas técnicos, abandono da obra pela empresa responsável e dificuldades financeiras.
São informações que reforçam a importância do seguro garantia, figura que já existia nos Estados Unidos do século XIX para apoiar obras voltadas ao desenvolvimento do país e dar bom destino aos impostos pagos pelos cidadãos. Em 1893, o Congresso americano aprovou o “Heard Act”, estabelecendo a obrigatoriedade das garantias em todos os contratos governamentais, dando mais segurança à aplicação dos recursos públicos. A primeira seguradora especializada nessa modalidade de seguro surgiu em 1895, na Filadélfia.
No Brasil, o tema precisa de mais atenção. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6814/2017 (apensado ao PL 1292/1995), que prevê alterações na Lei de Licitações, com a adoção de seguro garantia obrigatório para obras acima de R$ 100 milhões, e ampliação da garantia para 30% do valor do empreendimento. A lei atual já permite (mas não obriga) a contratação de seguros, que podem variar de 5% a 10% do valor da obra. Hoje, a maioria dos seguros é de 5%. Nossa proposta para o novo seguro garantia tem como parâmetros práticas do mercado internacional.
Existe um largo atraso a superar. Os investimentos nesse setor não passam de 1,67% do PIB, quando o ideal seria uma taxa de 4% a 5%, ou algo em torno de R$ 300 bilhões por ano ao longo de uma década. O desafio é grande, mas entendemos que há motivos para estarmos otimistas. Apesar de persistirem incertezas no horizonte, a confiança começa a retornar. A Fundação Getúlio Vargas registrou, em janeiro, o primeiro resultado positivo no Índice de Clima Econômico depois de três trimestres consecutivos de níveis negativos, o que significa expectativa de retomada de investimentos e contratações. E os movimentos iniciais do governo federal são alentadores.
Na infraestrutura, que voltou a merecer um ministério, o plano é realizar leilões de 23 concessões de aeroportos, ferrovias e terminais portuários dentro dos primeiros cem dias de governo. Já se percebe também movimentação de investidores interessados em explorar as possibilidades de parceria em obras públicas. Os empreendimentos necessários a dotar o país de infraestrutura compatível com seu tamanho e importância na geopolítica mundial envolve desafios logísticos relevantes e exige atualização de marcos regulatórios, o que confere ao seguro garantia importância ainda maior.
No mundo inteiro, o setor de seguros passou a fazer parte da pauta de mudanças de políticas macroeconômicas pelas quais, em maior ou menor grau, todos os países passam hoje, com menor participação dos governos em setores como saúde, previdência e infraestrutura. No Brasil, queremos estar no centro das políticas públicas, junto com o setor de resseguros em coberturas de grande valor, fundamental para o equilíbrio do sistema, como garantidor da atividade seguradora. O apoio ao desenvolvimento brasileiro será o tema do 8º Encontro de Resseguro, que se realiza em abril, no Rio de Janeiro.
No Brasil, o setor de seguros dispõe de ativos para garantir riscos assumidos da ordem de R$ 1,2 trilhão, equivalentes a 25% da dívida pública brasileira, montante que o posiciona entre os grandes investidores institucionais do país.
As seguradoras estão preparadas e confiantes na recuperação, apostando que é possível devolver ao Brasil o desenvolvimento frustrado, a melhoria da infraestrutura, a competitividade, a liberdade de empreender e a reconquista do emprego.
(*) Economista e presidente da CNseg, a Confederação das Seguradoras